The Letter That Johnny Walker Read


A paisagem corre perante os nossos olhos. Estacamos a observar uma grande massa uniforme, não diferenciando qualquer pormenor no meio desta. A velocidade a que o mundo se desloca é muito superior àquela a que nós estamos habituados. A janela é um bom óculo para efetuar esta verificação.
Podemos ver sem que os outros se apercebam, sequer. Dá-nos uma sensação de conforto e bem-estar, pois temos medo de olhar o outro diretamente. Medo de ser repreendido pela simples e inocente tentativa de conhecer um pouco mais.
Por isso foco-me na Natureza. Esta é bela e permite a compreensão do Homem. A arquitetura de ambos é padronizada, respondendo a critérios básicos de sobrevivência. O que os diferencia é o livre arbítrio e a arte, esta como aplicação de uma teoria a cada caso concreto. Não olho para o Homem, mas sim para o que ele produz. As casas são fabulosas. Mas as árvores também o são. E crescem naturalmente, adaptando-se ao meio em que vivem. O Homem recria o ambiente à sua volta, modificando-o exaustivamente, o que não invalida que a sua obra seja profícua. Afinal também me foco no que é humano. O Homem é uma criatura maravilhosa e asquerosa. O medo e a cobiça o tornam pouco digno da sua condição nominal.
Cedo perante as minhas conclusões anteriores. Gosto do que é estático e do que não pensa, pois tenho medo, um imenso medo da imprevisibilidade de Homem, que tanto constrói como destrói. E a destrutibilidade deste ser é sempre em grande escala. Mas, passando ao lado deste devaneio, eu via o estático em movimento. Alguns podem chamar isto de loucura, mas eu prefiro chamar comboio.
O interior é em tons de amarelo e vermelho, miscigenados de tal forma a impactar o mais desprevenido dos passageiros. É fervilhante sentir que sou um dos poucos a usufruir desta maravilha tecnicista. Olho para trás e vejo mais três pessoas na minha carruagem, com o mesmo ar que eu. É bom sentir que não estou sozinho (isto é mentira!).
Chegou o fim da linha. Desço para a plataforma. Observo mais uma vez o comboio, não para me despedir, mas para lhe dizer um até breve. É também amarelo, mas conta com o potente ferro a matizar a visão. É a melhor palavra para descrever o comboio, potência. É potente a realizar viagens, por isso gosto dele. Viajo pelo meu interior e descubro-me, embora não encontre solução para o homem que sou.
Finalmente o meu olhar descai para o sobrescrito que tenho na mão. Este contém a canção-poema que li na alvorada da viagem. A minha mulher esperava amor e as crianças o alimento, mas só lhes podia oferecer uma garrafa de bagaço. Tive medo e fugi, desvairado.

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