Baile (fim)


Primeiro a toalha, vermelha-sangue, escorrendo pela mesa à medida que era desdobrada. De seguida os copos do mais rico cristal, brilhantes, refletindo a toalha. Vêm os pratos e os talheres, reluzentes, contribuindo de forma harmoniosa para uma apetecível visão desde a entrada do salão.
Não se pode esquecer o centro de mesa. Rosas brancas foram as flores escolhidas. O contraste entre estas e a toalha é perfeito. Há uma ousadia que se junta a uma pureza, apimentando uma noite que deverá ser inesquecível.
Quando os convidados entrarem as luzes vão deixar tudo numa penumbra assombrosa. As senhoras vão agarrar o braço aos acompanhantes, quer seja com medo de uma possível queda, quer seja pelo simples espanto de ver uma sala tão deslumbrante. É nela que vão passar uma noite, ou talvez “a” noite. Os senhores vão embebedar-se, tendo, porém, sobriedade suficiente para agarrar a companheira ou uma outra qualquer que esteja próxima. Já as senhoras vão estar preocupadas com a sua vestimenta e maquilhagem, até porque pode ser ali que encontrem a garantia de um futuro radioso. E ninguém pode ter um bom futuro se estiver mal vestido.
Que disparate! Estes pensamentos ocultaram da mente o mais importante: a lista dos convidados daquela mesa. Branca como as rosas, a lista tinha oito nomes, escritos a negro com uma letra curvilínea. Pedro começou a imaginar como seriam as figuras por trás desses nomes, até que chegou ao sétimo. Ai, mais do que imaginar, ele viu. Viu o vestido dançante num pequeno corpo delicado e perfumado. Viu o minúsculo sapato branco que se movia freneticamente. A carteira tinha-a ele na mão. E Pedro chorou. Eram a saudade e a incompreensão que o matavam, lentamente, ao ritmo de uma imparável ampulheta. Cinco minutos depois, já recomposto, dentro do possível, olha então para o oitavo nome. Também o visualiza claramente. Um homem enorme, bruto, mas cuja autoridade tudo atraía a si. Talvez fosse por isso que Raquel ficasse com ele. E Pedro sentiu a raiva no estômago, espalhando-se de seguida pelos seus membros. Era um verdadeiro monstro que crescia dentro dele, matando-o da mesma forma que a saudade o fazia.
A única atitude que Pedro poderia tomar era a de ser Homem, portanto o que ele simplesmente saiu do salão, foi ao cacifo buscar tabaco e sentou-se num banco de jardim, à conversa com os velhos que jogavam cartas, tragando lentamente um cigarro.